quarta-feira, 27 de julho de 2011

FILIPE, O APÓSTOLO PRÁTICO.

Filipe... quem vê a mim, vê o Pai. (Jo 14.9)

Talvez você já o tenha visto no supermercado. É alto, jovem, de boa aparência, bem vestido. Empurra o carrinho de compras e examina cuidadosamente os produtos expostos. Isto é ligeiramente ridículo. Em vez de estar ali, ele deveria estar jogando basquete ou talvez tênis. Na mão, tem uma lista de compras, para a qual olha todo instante. Ele simplesmente não poderia deixar de ter uma lista, pois após cada mercadoria que coloca no carrinho, toma de um lápis e corta-a da lista.

Se quisermos observar um pouco mais este simpático rapaz, vamos segui-lo ao passar pela caixa e dirigir-se para o carro, o qual está impecavelmente limpo. Ele é um motorista cauteloso. Nunca tenta uma ultrapassagem perigosa. Temos que reconhecer, no entanto, que ele tem bom conhecimento das ruas da cidade. Ele sempre segue a rota mais curta. Parece que já estudou bem cada caminho. Todos os seus movimentos são de uma precisão quase cientifica: sabe onde evitar um sinal luminoso, vias secundárias, onde pode circundar o tráfego pesado e escapar aos engarrafamentos da hora do "rush".

Pouco antes de ele chegar em casa, um gato preto cruza na frente do carro: ele nem pisca.
"E daí?" diz consigo mesmo. "Eu, supersticioso? Esse negócio de verificar o formato das folhinhas de chá, observar astros, ler horóscopos... tolice, pura tolice!"

Ele nem mesmo admitiria a possibilidade de pendurar um pé de coelho no espelho retrovisor. Ele não se incomodaria, ainda que meia dúzia de gatos pretos atravessassem em sua frente, numa sexta-feira, 13.
Agora está em casa. Verificamos que o gramado é bem aparado e limpo.
Tudo está bem arrumado. Após o jantar, ele olha o relógio: 7:30, hora do informativo na TV. Não pode haver interrupções, enquanto ele assiste ao jornal. Terminado o programa, ele desliga o aparelho. Não há mesmo nada de proveitoso para se ver. Ele nunca assiste ao "show" da meia-noite.
Absolutamente! Amanhã tem que ir trabalhar cedo.
"Bom repouso, boa saúde", eis o seu lema.
Se desejarmos conhecê-lo melhor, tenhamos uma conversa com ele.
Estará pronto a falar conosco a qualquer momento. Façamos-lhe algumas perguntas. Vejamos o que podemos descobrir a seu respeito. Sobre religião por exemplo.
" Religião? Quer saber minha opinião? Está bem; eu lhe digo Frequentei a igreja desde pequeno. Aprendi muita coisa muita coisa. Isso é bom. Sabe? As crianças precisam aprender a respeito de Deus; isto ajuda a gente a ter uma vida melhor.

"Se creio em Deus? Sim! Acho que creio em Deus. Era impossível existir um mundo, um universo, se não houvesse um Ser supremo, um criador.
Meus pais eram muito devotos. Iam à igreja  todos os domingos, mas é lógico que eu não posso ter a mesma fé que eles. Não posso crer uma coisa só porque eles creram nela. Tenho que andar por minhas próprias pernas. Tenho que descobrir a verdade por mim mesmo.
''Deixe-me dizer-lhe uma coisa: eu sou pragmático. Sabe o que é pragmático? Nunca ouviu falar de Willian James ou John Dewey? Ah! já ouviu; Pragmatismo é a filosofia que encara a vida de modo prático, isto é, a verdade só é provada na prática, e a crença, pela ação. Uma pessoas pragmática é aquela que só crê naquilo que pode ser provado. Eu creio que dois e dois são quatro. Isso é fácil de provar. Eu só creio naquilo que vejo, sinto, toco, conheço ou sei."

''Fé? Fé é uma coisa meio vaga. O que é fé? Algumas pessoas têm fé; outras não. O que a gente faz quando não tem fé? Vou lhe dizer uma coisa: se eu visse, se eu soubesse, se alguém me convencesse desse negócio de religião, eu teria a fé, eu creria. A religião para mim tem que ser prática, precisa de provas. Eu nunca conseguiria seguir uma coisa que não conheço, que não experimentei. No entanto, se eu me encontrar de verdade com Deus, eu lhe digo uma coisa - serei um discípulo totalmente devotado."

Isto é o que Filipe diria. É assim que falaria agora, no século XXI. E foi assim que ele falou, no século I. Filipe, o apóstolo prático. Filipe, um homem à procura de uma verdade, tateando, desenvolvendo-se, firmando-se pouco a pouco, sempre cauteloso, cuidadoso, prudente, meticuloso, preciso e muito prático. Como é que sabemos disto? Está nos Evangelhos, onde ele aparece quatro vezes.

A primeira dessas ocasiões é na Galiléia. Ora Filipe era de Betsaida, cidade de André e de Pedro... e encontrou a Filipe a quem disse: Segue-me. (Jo 1.43-44) Alguns discípulos procuraram a Jesus. Ele não. Ele era prático. Não se deixaria levar por qualquer entusiasmo religioso. Ele tinha muito bom senso, e não seria influenciado por qualquer evangelistazinho ardoroso e eloquente que aparece de repente. É por isso que não pode acreditar imediatamente em todos os rumores que ouve. Jesus o Messias? É uma declaração por demais ousada. E ele não está interessado em averiguar.

E (Jesus) encontrou Filipe. Tinha que ser deste modo. Jesus teria que tomar a iniciativa. Eles conversaram. Filipe faz-lhe algumas perguntas diretas e recebe respostas diretas também. Seu conhecimento do antigo Testamento (embora pequeno) - e ele realmente foi um bom e atento ouvinte na igreja - ajuda-o a compreender tudo. E ele se convence. Está disposto a começar uma nova jornada, a seguir em companhia de Jesus. Pelo menos, ele quer tentar, quer começar. Ele fez algumas perguntas bem sérias e recebeu respostas bem práticas.

Agora tido mudou. Filipe, antes um homem de mente fria, está jubilante; tão jubilante, que vai falar com um amigo seu: Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas, Jesus o Nazareno, filho de José. Que declaração meticulosa e detalhada! É quase científica. Nós o achamos. Moisés escreveu a seu respeito na lei. Os profetas falaram dele. É Jesus, da cidade de Nazaré, filho de José.

André tinha procurado seu irmão Pedro, e lhe dissera: Achamos o Messias. Foi só. Foi uma declaração curta. Todavia, Filipe, um homem meticuloso, não agiu assim. Ele disse: Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas, Jesus, o Nazareno, filho de José. Quando seu amigo levanta uma objeção: De Nazaré pode sair alguma coisa boa?, este Filipe, este homem prático responde: Vem é vê. (Jo 1.46)

Ele nunca se deixaria enganar por um impostor, nem creria em tolices supersticiosas. Ele diz: "Dê-me provas convincentes e eu serei um discípulo devotado." Ele próprio foi e viu por si mesmo, e por isso dá esta resposta a qualquer um queira saber. Seu tratamento do assunto é científico, experimental. Vem e vê. E isto é tudo que Cristo pede aquele que o busca.

Agora Filipe segue em companhia de Jesus. Foi escolhido para ser im apóstolo. Já começou a carreira, mas ainda tem muito que aprender. ele se move devagar, cautelosamente. Nunca se dispõe a dar um passo à frente, se não tiver certeza de que está pisando em terra firme. Jesus nota isto. Ele o colocou entre os doze escolhidos e está ansioso para que ele se desenvolva.

Eis que surge uma oportunidade, quando uma grande multidão se ajuntou para ouvir Jesus. Já é tarde. O povo está cansado e faminto; as crianças estão inquietas. Jesus volta-se para Filipe e pergunta-lhe: Onde compraremos pães para lhes dar a comer? (Jo 6.5) Por que logo Filipe? Porque ele é por natureza muito prático, tem uma mente científica, e é muito prudente. Acontece porém que ele estava junto do Homem "de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas". Será que ele irá confiar nele? Orá descansar em Cristo? O que dirá Filipe?

Jesus pergunta a Filipe porque quer prová-lo, quer experimentá-lo  para ver o desenvolvimento de sua fé. Será que ele agirá cautelosamente e com prudência? Será que ele entregará nas mãos do Mestre? Agirá ele baseado na fé ou na razão? Geralmente, as provas ocorrem de maneira estranha em momentos estranhos. Somente mais tarde, depois de passado o teste, é que percebemos que fizemos uma escolha, e então talvez seja tarde demais.

Filipe deixou passar a oportunidade. Com seu olho de bom entendedor ele examinou o povo. "É! Dez... vinte... trinta... cinquenta dinheiros. Não lhes bastariam duzentos denários de pão, para receber cada um o seu pedaço''. (Jo 6.7) Do ponto de vista da lógica aquilo parecia impossível. Onde arranjaremos duzentos dinheiros? Não há jeito. Ele se esquecera, porém, de que estava com aquele que viria curar muitas pessoas, com todo o tipo de doença. Ele se esquecera de Jesus Cristo. Este apóstolo prático, de cabeça fria, ainda tem muito que aprender.

Ora, entre os que subiram para adorar durante a festam havia alguns gregos. (Jo 12.20)
Agora já é no domingo anterior à Páscoa. Alguns homens de uma colônia grega perto de Betsaida, a qual era próxima da cidade de Filipe, chegaram em Jerusalém. Estes, pois se dirigiram a Filipe,... e lhe rogaram: Senhor, queremos ver a Jesus. (Jo 12.21) Filipe era tímido. E desses que olham bastante antes de dar qualquer passo. A questão era meio dificil: gentios querendo ver a Jesus! O Senhor não dissera que fora enviado apenas à casa de Israel? Qual seria então a atitude mais prática a se tomar? Agindo com muita prudência, Filipe foi dizê-lo  a André (Jo 12.22). Ele não sabe que deliberação tomar, André decide por ele. E André e Filipe o comunicaram a Jesus (Jo 12.22).

Entretanto, a melhor análise do caráter de Filipe pode ser feita alguns dias depois, na última ceia. Ele já estava no grupo de Cristo há três anos: era um dos apóstolos. Era do círculo íntimo de Jesus. Vem e vê, dissera ele a Natanael, e ele próprio fora e vira. O único problema é que ele vira, mas ainda estava cego. Ouvira, mas não compreendera. aceitara, mas, na realidade, será que ele sabia muita coisa?

Para ele, a estrada fora íngreme, árdua e longa. Mesmo assim, será que ele agora crê? Será que realmente já viu a Deus? Está certo disso? Jesus falou tanto sobre Deus; Jesus tentou ensinar tudo de maneira bem clara, mas nem tudo ainda está claro. Algo ainda está meio nebuloso. Sua mente, tão límpida e prática, está envolta em névoa. Ali, à mesa, ele interrompe o Mestre: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta. (Jo 14.8). 

Muito obrigado por ter feito esta pergunta, Filipe. Ela me revela que você ainda tateando, e que apesar dos seus três anos com Jesus, você ainda faz perguntas, ainda interroga, ainda procura. É verdade que assim você revelando sua ignorância, mas também mostra a sua sede de conhecimento. Obrigado, Filipe. Estou em dívida com você e sua mente prática, pois você provocou de Jesus as palavras mais espantosas, mais impressionantes, mais admiráveis de toda a literatura humana. Você fez com que Ele dissesse: Filipe, há quanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai. (Jo 14.9) Há uma certa tristeza na voz do Senhor.

Há tanto tempo que o Mestre está a seu lado, e você aprendeu tão pouco! Já é tão tarde, e você compreendeu tão pouco, desenvolveu-se tão vagarosamente. Você tem sido muito cauteloso, muito reservado, e prático demais. Você é por demais prático, Filipe. Este é seu problema! "Você não me viu operar milagres e maravilhas, Filipe? Não se lembra de quantos homens e mulheres eu curei? Não recorda de como eu dei alimento às multidões? Não se lembra de que eu pedi que tivessem fé, sempre tivessem fé? Creia-me que Eu estou no Pai e o Pai em mim, ou então creia-me por causa das obras de que falo! Vem e vê, eu disse a você. Você disse o mesmo ao seu amigo. Pois bem, Filipe, vem e vê! Quem me vê a mim vê o Pai."

Há um epílogo para esta história de Filipe. Não se encontra ele nos Evangelhos, mas numa peça escrita por Dorothy Sayers, onde o vemos após a ressurreição de Cristo. Ainda é o mesmo: prático, cauteloso, prudente. Ele não crê na ressurreição do Senhor. Eles recebem a notícia quando ainda estão escondidos. Com sua mentalidade cientifica, Filipe é o primeiro a duvidar e a negar. "Foi uma visão" diz "ou então um sonho. O Senhor está morto".

João, que estivera no túmulo mas que não vira a Jesus, diz: "É Filipe, eu disse isto também. Que Deus me perdoe! Mas nós não vimos o filho da viúva voltar a vida? E Lázaro, não foi ele chamado para fora da tumba? E o que foi que o Senhor disse a você, na páscoa?" Filipe não esquece daquelas palavras, mas isto também já é demais, e então ele grita: "Ele morreu".

Ele ainda não crê, mesmo depois que Jesus aparece aos doze. É um fantasma, um espírito. então Jesus se revela a eles como o Senhor ressuscitado. Por fim, ele se convence: "Nosso Mestre e amigo, amado Senhor!" Agora, ele não pode mais negar. Ele é prático - prático para aceitar a prova, e prático para se submeter à evidência. E eu creio que após a ressurreição, após sua longa busca, desde o estágio da timidez até o triunfo final, ele finalmente chegou ao seu destino. "Se eu pudesse ver por mim mesmo, eu creria. Se eu encontrar a deus, serei um discípulo dedicado."

Nesta época do império da ciência, nesta idade da razão, nesta época de pragmatismo e do ideal prático, há muitos Filipes exigindo provas, desejando ter certeza de tudo. Eles buscam o conhecimento. Buscam a verdade. Entretanto, de todas as ideologias humanas, de todos os sistemas filosóficos, de todos os modos de encarar a vida; seja, eles científicos, educacionais, românticos ou pragmáticos, a mensagem de Jesus Cristo é a que apresenta as soluções mais práticas: foi isto que Filipe encontrou em sua longa jornada. Encontrou em Jesus Cristo tudo o que procurava, tudo o que desejava. A fé era testada pela experiência: "Quem me vê a mim vê o Pai".

Assim, a todos os que procuram, a todos os que buscam sinceramente, o apóstolo mais prático dá o mais prático dos convites: "Vem e vê por ti mesmo."

No começo do cristianismo, quando o evangelho começou a ser espalhado pelo mundo, este era dominado por mágicos orientais e adivinhos, que se diziam capazes de se comunicar com o mundo dos espíritos. eles adotavam a teoria de que o homem se desenvolvia por estágios que o aproximavam cada vez mais de Deus. Assim eles criaram a ideia de um reino espiritual muito intricado e envolto em mistérios.

Para um homem prático como Filipe isso tudo era uma arrematada tolice. Então ele tomou a si a tarefa de esclarecer esse engano, e passou a proclamar a simplicidade das boas-novas do evangelho com este convite: "Vem e vê!" A tradição diz que ele trabalhou entre as províncias da Galácia e Frígia, na Ásia Menos. Morreu em Hierápolis, uma cidade próxima a Colossos e Laodicéia, as quais são mencionadas no Novo Testamento (Cl 4.13).

Ele teve morte natural ou sofreu o martírio? E se foi mártir, foi crucificado ou apedrejado? Diz-nos Policrates, um cristão que foi bispo de Éfeso durante o século II, que Filipe "foi um dos doze, que viveu para ser uma das luzes da Ásia, e foi sepultado em Hierápolis junto às suas duas filhas". Não se sabe ao certo a maneira de sua morte.   

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